quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Corpo de Árvore 18



Gerhard Richter


18

Tu, rapaz brumoso, que não amas
a poesia, não saberás nunca
que nos olhos a morte retumba
como um trovão após o relâmpago
– despertando o coração que estremece–,
e zunindo fica a melodia
dulcificando toda a água que provirá.

Talvez numa madrugada só
recuperes na travessia da ponte
levando-te para a terra extenuada;
talvez numa outra madrugada
as ervas cresçam vertiginosas, como agora
– tu, rapaz retraído, que não amas
a poesia – afugentas as imagens dos teus horrores,
despontando sós, onde só escutas o feral compasso
do coração avaro, como um telhado vermelho
que a pouco e pouco vê dar lugar a um manto
verde cobrindo a sua estrutura, outrora tão pungente;
talvez numa dessas madrugadas, agora,
ainda, tão difusa, já não abrigues
a tua morte, assim tão perto, como uma pátria
após a guerra.

Tu, rapaz ímpio, que não amas
a poesia, talvez – só – então um coração negro
te una numa terra vulcânica ou num deserto
tão árido – como agora esta madrugada
que incendeia a minha mão – na profusa
dormência da solidão e do fastio da tua
razão, rapaz só não amas a poesia.

4 comentários:

Helena Figueiredo disse...

Como sempre boas leituras. Não conheço o Franco Alexandre, o Helder muito pouco, só o “ Bebedor Nocturno “, livro de traduções. Mas Hölderlin está sempre presente. No que diz respeito à poesia, talvez megalómano como eu. Mas eu sempre amei os poetas que vivem a poesia, que vivem à beira dos abismos, que se entregam a ela sem condicionalismos. E acredite-me, eu já li tantos poetas e continuo a ler. Mas o Hölderlin é divino. E o Alba foi a meu ver um Rei. O Tranströmer é uma faca que corta gelo.
No entanto, neste momento, gosto sobretudo de ler os expressionistas, talvez pela força e intensidade das suas palavras, pelo quase exagero. Mas também gosto da chamada “Naturlyrik “ de um Huchel, que é um poeta totalmente desconhecido em Portugal. Os poetas desconhecidos, ou mal conhecidos, acredite-me são os melhores.
No entanto também há um grande poeta espanhol, que sempre leio e que foi Nobel:
Vicente Aleixandre. Se nunca leu deve ler o livro: “ La destrucción o El Amor. “ A violência da palavra, esse é o segredo.

LC

Mapas De Espelho ( Imagem Suzzan Blac) disse...

i. L C. "Huchel" nunca ouvi falar ... irei investigar.
Vicente Aleixander é quase um clássico. Li-o muito y às vezes volto lá, como a Hölderlin esse divino, não menos que o Divino António Franco Alexandre. Pena o LC não o conhecer... o Imperador do poetas! Belíssimo. ( É editado pela Assírio&Alvim)

Nuno Castelo-Branco disse...

eh pá, este parece feito para mim. Nunca fui tocado pela poesia e isso é estranho... em Portugal, pelo menos.

Mapas De Espelho ( Imagem Suzzan Blac) disse...

Quem diria, Nuno,que eu um dia ouviria uma coisa dessas ;) ( Lindo! ;) )