segunda-feira, 17 de novembro de 2008

III


Kim Sung Jin

Acordo, amor, sem urgência para que a noite caia novamente.
E o dia começa a doer enquanto aguardo impotente que passes

desprendido e dos teus lábios a voz se forme som disparado de
encontro a mim, amor.
Aí, amor, um novo acordar eclode iluminando o obscuro receio

de já não me reconheceres ou de que me comeces a amar,
também, obscuramente, desastrado e débil, amor, face aos
momentos sem distância separando-nos.
E delicadamente revisitados (amor), esses momentos, seriam

adormecidos sem urgência de acordar dolentemente para um
novo dia em que aguardarias que passasse e a minha voz
formasse nos meus lábios um som disparado de encontro a ti
amor, iluminando-te, sem precipitação e sem receio.

II

Kim Sung Jin

II

Quando saio, amor, à tua procura, é um mundo visivelmente/ novo que anseio. (Só tu me retiras do meu recolhimento e me/abres secretamente o desconhecido.). Saio todos os dias e todas/ as noites, amor, sabendo que não me procuras, que não sentes a/ privação nos meus gestos desastrados e incorruptos: à tua/ procura. Não pressentes a minha voz, amor, somente delicada/ para ti? Não, não reparas nem ouves os meus apelos/ definhando tímidos, enfraquecendo à tua mercê, amor? Porque/ não me procuras, amor?, eu que me abandonei e abandono/todos os dias e todas as noites para te encontrar diante de mim/ abandonado à minha procura, procurando, procurando/ inevitáveis amor.
Porquê amor? É forçoso que esta procura seja apenas/ docemente desesperada e perdida enquanto saio todos os dias e/ todas as noites não sabendo nunca que mundo desconhecido/ anseias? Porquê, amor, desconheço?

I

Kim Sung Jin
Acontece anoitecer, amor, sem suspeita aos teus olhos –/
o meu corpo peregrino vai tombando no seu caminho: solitário,/ triste e vazio, como vazios, tristes e solitários ficam os meus/olhos exilados do teu aparecer. E apenas a chuva generosa/ o reconforta, amor, de sucumbir distante e inacontecido. Essa/ água abundante é a única presença toldando e embriagando,/ quando já sem forças regresso, lentamente, sem querer revisitar/ os acontecimentos de mais um dia inútil e gasto à espera do/ possível (des)embaraço. E açulada pela minha fraqueza, amor,/ acontece anoitecer amortecendo para fugir ou para reter o que é/ possível. Como se fosse possível saberes ou adivinhares que/ anoiteço com uma mordaça que me impede de dizer tudo o que/ poderia acontecer se doente não estivesse (amor), se em tudo/ pudesse ser diferente ao teu lado, anoitecendo em silêncio. O/ silêncio à tua volta – voltada do avesso para acontecer,/ anoitecer amor junto a ti.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

para que não inventassem que dizia

para que não inventassem que dizia


Revoltou-se na ferida devolvida no confundir do lençol, com o arrojo da indiferença lançou-se/
na arena: alucinava;
Seduzida na sua fúria rompia vermelha viva a carne, oxidado simula em cada ímpeto a afectação/
a opaca razão arremessada na contracção do corpo e lastima a secreta ânsia do seu proveito./
Na ébria desidratação alucina sob um aplauso ultrajado,
só, para que não inventassem, a convulsão do tempo, que dizia.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Tempo Bifurcado

Elizabeth Magill

Um só dia durando o corpo
no labirinto do homem entrando
no assombro das palavras amando
como morangos na boca das carpas

Tempo Bifurcado

Elizabeth Magill

Só com a noite
a tua cabeça tomba
derradeira
na mão do remador que desvenda
a inicial clausura dos rios


quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Corpo de Árvore 18



Gerhard Richter


18

Tu, rapaz brumoso, que não amas
a poesia, não saberás nunca
que nos olhos a morte retumba
como um trovão após o relâmpago
– despertando o coração que estremece–,
e zunindo fica a melodia
dulcificando toda a água que provirá.

Talvez numa madrugada só
recuperes na travessia da ponte
levando-te para a terra extenuada;
talvez numa outra madrugada
as ervas cresçam vertiginosas, como agora
– tu, rapaz retraído, que não amas
a poesia – afugentas as imagens dos teus horrores,
despontando sós, onde só escutas o feral compasso
do coração avaro, como um telhado vermelho
que a pouco e pouco vê dar lugar a um manto
verde cobrindo a sua estrutura, outrora tão pungente;
talvez numa dessas madrugadas, agora,
ainda, tão difusa, já não abrigues
a tua morte, assim tão perto, como uma pátria
após a guerra.

Tu, rapaz ímpio, que não amas
a poesia, talvez – só – então um coração negro
te una numa terra vulcânica ou num deserto
tão árido – como agora esta madrugada
que incendeia a minha mão – na profusa
dormência da solidão e do fastio da tua
razão, rapaz só não amas a poesia.

Corpo de Árvore 28

Steven Kenny

28

Vou andar por aí abismo,
procuro o jovem negro
que arrefece o coração
com a sua frieza destruidora
e resplandecente nas madrugadas,
magoado erguerei as minhas mãos
mergulhadas na cal do seu peito
e baixarei os olhos – decalco
a imagem negra aterradora
no lixo que vou guardando
para o esquecimento.

sábado, 1 de novembro de 2008

RESPIGAR



Quintana

No, no. Yo no pergunto, yo deseo.
Lorca
O que foi que eu fiz ao último dia
de abundância

do sol ligando a carne

como a lua abre o inócuo sangue
sem ferir
estimula a simultânea distância
e no seu fio suspende
uma qualquer coisa,
uma qualquer frente que te faça
e nela fende

voz prendendo-nos o espanto,
o nosso agora
lido como uma coisa doméstica
parábola:

o tigre
de tantos poemas prisioneiro
captura a liberdade

até vermos
o touro coberto de rosas

as feridas no dorso do touro
rosas de sangue
dias.
nascendo de noite

nascem como pátrias
as rosas de sangue
no dorso da noite
nosso touro

e são tantas as rosas
que a noite já não sabe
qual das suas pátrias
é a ferida do tigre

captura a rosa do tigre onde eu seja
a garantia ou o núcleo em ebulição,
e brada por mim a perda:
só o mar cresce nos braços dos afogados,
– suspenso – só o único corpo
agregando o que te sustem em pastiche
delirante ou puríssimo veneno;

e como que por um pêndulo ritmado
pelo colidir do sangue no visionário órgão
orgânico coração da carne transforma-me

no ácido de todas as tuas feridas
e de todas as cicatrizes que eu seja

o preferido pesadelo
– sempre – aonde regressas
desarmado como um soldado enlouquecido
nesse vurmo do amor pátria ou esse pejo

ante o fosso de proscrição de tudo
o que oxida no limite,
aquele que consegues, de cada coisa,
– às vezes – adivinhar a vertigem;

nesse frio em que te tinhas
( adiando ou ligando-te ): toda a nudez
estremece perplexidade,

e o desejo
prolonga o deserto de si.